Campbell Robertson
Em Jubaish (Iraque)
Por todos os pântanos, os coletores de junco, pisando em terra por onde antes flutuavam, gritavam para os visitantes em um barco de passagem."Maaku mai!" eles gritavam, erguendo suas foices enferrujadas. "Não há água!"
O Eufrates está secando. Estrangulado pelas políticas de água dos vizinhos do Iraque, a Turquia e a Síria; dois anos de seca e anos de uso inadequado pelo Iraque e seus agricultores, o rio está significativamente menor do que há apenas poucos anos. Algumas autoridades temem que em breve poderá ser a metade do que era.
O encolhimento do Eufrates, um rio tão crucial para o nascimento da civilização que o Livro do Apocalipse profetizou sua seca como um sinal do final dos tempos, tem dizimado as fazendas ao longo de suas margens, tem deixado pescadores empobrecidos e esvaziado as cidades à beira do rio, à medida que os agricultores fogem para cidades maiores à procura de trabalho
Menino ajoelha-se na lama que restou do rio Eufrates perto da aldeia de Jubaish, no Iraque
Ao longo do rio, os campos de arroz e trigo se transformaram em terra árida. Os canais encolheram para ribeirões rasos e os barcos de pesca ficam encalhados na terra seca. Bombas que visavam alimentar as usinas de tratamento de água balançam inutilmente sobre poças marrons.
"Os velhos dizem que é o pior de que se recordam", disse Sayd Diyia, um pescador de 34 anos de Hindiya, sentado em um café à beira do rio cheio de colegas ociosos. "Eu estou dependendo das graças de Deus."
A seca é grande por todo o Iraque. A área cultivada com trigo e cevada no norte alimentado pela chuva caiu cerca de 95% do habitual, e os pomares de tâmaras e laranjas do leste estão ressecados. Por dois anos as chuvas estão muito abaixo do normal, deixando reservatórios secos. As autoridades americanas preveem que a produção de trigo e cevada será pouco mais da metade daquela de dois anos atrás.
É uma crise que ameaça as raízes da identidade do Iraque, não apenas como a terra entre dois rios, mas como uma nação que já foi a maior exportadora de tâmaras do mundo, que antes fornecia cevada para a cerveja alemã e que tem orgulho patriótico de seu caro arroz âmbar.
Agora o Iraque está importando mais e mais grãos. Os produtores rurais ao longo do Eufrates dizem, com raiva e desespero, que terão que abandonar o arroz âmbar por variedades mais baratas.
As secas não são raras no Iraque, apesar das autoridades dizerem que nos últimos anos estão ocorrendo com maior frequência. Mas a seca é apenas parte do que está sufocando o Eufrates e seu irmão gêmeo maior e mais saudável, o Tigre.
Os culpados citados com maior frequência são os governos turco e sírio. O Iraque tem muita água, mas é um país que está corrente abaixo. Há pelo menos sete represas no Eufrates na Turquia e na Síria, segundo as autoridades de água iraquianas, e sem nenhum tratado ou acordo, o governo iraquiano fica reduzido a implorar por água junto aos seus vizinhos.
Em uma conferência em Bagdá -na qual os participantes beberam água engarrafada da Arábia Saudita, um país com uma fração da água doce do Iraque- as autoridades falavam em desastre.
"Nós temos uma sede real no Iraque", disse Ali Baban, o ministro do Planejamento. "Nossa agricultura vai morrer, nossas cidades vão definhar e nenhum Estado pode ficar quieto em uma situação dessas."
Recentemente, o ministério da água anunciou que a Turquia dobrou o fluxo de água para o Eufrates, salvando o período de plantio de arroz em algumas áreas.
A medida aumentou o fluxo de água em cerca de 60% de sua média, apenas o suficiente para atender metade das necessidades de irrigação para a estação de arroz. Apesar da Turquia ter concordado em manter o fluxo e até aumentá-lo, não há compromisso que exija que o país o faça.
Com o Eufrates exibindo poucos sinais de melhora da saúde, a amargura em torno da água do Iraque ameaça se transformar em fonte de tensão por meses, ou até mesmo anos, entre o Iraque e seus vizinhos. Muitas autoridades americanas, turcas e até mesmo iraquianas, desdenhando as acusações como postura de ano eleitoral, disseram que o problema real está nas deploráveis políticas de gestão de águas do próprio Iraque.
"Costumava haver água por toda a parte", disse Abduredha Joda, 40 anos, sentando em sua choupana de junco em um terreno seco e rochoso fora de Karbala. Joda, que descreve sua situação difícil com um sorriso cansado, cresceu perto de Basra, mas fugiu para Bagdá quando Saddam Hussein drenou os grandes pântanos do sul do Iraque em retaliação pelo levante xiita de 1991. Ele chegou a Karbala em 2004 para pescar e criar búfalos d'água nos ricos alagadiços que o lembravam de seu lar. "Neste ano é apenas um deserto", ele disse.
Ao longo do rio, não há falta de ressentimento em relação aos turcos e sírios. Mas também há ressentimento contra os americanos, curdos, iranianos e o governo iraquiano, todos eles responsabilizados. A escassez transforma todos em inimigos.
As áreas sunitas rio acima parecem ter água suficiente, observou Joda, um comentário cheio de implicações.
As autoridades dizem que nada melhorará se o Iraque não tratar seriamente de suas próprias políticas de água e de sua história de má gestão de águas. Canais que vazam e práticas de irrigação perdulárias desperdiçam água, e a má drenagem deixa os campos tão salgados com a evaporação da água que mulheres e crianças escavam imensos montes brancos das piscinas de água de rolamento.
Em uma manhã escaldante em Diwaniya, Bashia Mohammed, 60 anos, trabalhava em uma piscina de drenagem ao lado da estrada colhendo sal, a única fonte de renda de sua família, agora que sua plantação de arroz secou. Mas a fazenda morta não era a crise real.
"Não há água do rio para bebermos", ela disse, se referindo ao canal que flui do Eufrates. "Agora está totalmente seco e contém água de esgoto. Eles cavam poços, mas às vezes a água simplesmente é cortada e temos que beber do rio. Todos meus filhos estão doentes por causa da água."
No sudeste, onde o Eufrates se aproxima do fim de sua jornada de 2.784 quilômetros e se mistura com as águas menos salgadas do Tigre antes de desaguar no Golfo Pérsico, a situação é grave. Os pântanos de lá, que foram intencionalmente reinundados em 2003, resgatando a cultura antiga dos árabes do pântano, estão secando novamente. Os carneiros pastam em terras no meio do rio.
Os produtores rurais, coletores de junco e criadores de búfalos continuam trabalhando, mas dizem que não poderão continuar se a água permanecer assim.
"O próximo inverno será a última chance", disse Hashem Hilead Shehi, um agricultor de 73 anos que vive em uma aldeia seca a oeste dos pântanos. "Se não conseguirmos plantar, então todas as famílias terão que partir."
Amir A. al-Obeidi, Mohammed Hussein e Abeer Mohammed contribuíram com reportagem.
Tradução: George El Khouri Andolfato
Fonte: The New York Times
Shalom!
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