Se todos os cristãos fazem teologia, por que poucos a compreendem? E por que quem a compreende é criticado, e quem critica diz que a letra mata?
Ao contrario do que muitos pensam o estudo da teologia[1] não se restringe apenas aos intelectuais e acadêmicos. A teologia é tarefa para todos. Não é um meio de se destacar entre os sábios e entendidos em matéria de religião, também não é um estudo direcionado em conhecer a totalidade da revelação de Deus ao Homem, pois certamente isto não irá acontecer, visto que nossa limitação não pode compreender a revelação de Deus de forma completa, pois ele é Deus e infinito, ao passo que somos pecadores limitados (1 Cor.13.9-12). Digo que é um meio de termos um relacionamento mais próximo com Deus, de conhecermos seus atributos, sua vontade. A teologia nos leva ao encontro da graça de Deus. Não somente um meio de exercício do intelecto, numa tentativa de conhecer a vontade de Deus para nós, mas uma dádiva de Deus com propósito de se fazer conhecido por meio das Escrituras, e isto é para todos que desejarem se esmerar no estudo dela.
O professor e teólogo Solano Portela[2] em Seu artigo por Título “O Estudo da teologia e as Escrituras” diz:“Estudar teologia não é uma área segregada à academia teológica; não pertence à esfera de intelectuais maçantes que se preocupam em descobrir e firmar termos técnicos incompreensíveis aos demais mortais; não é monopólio daqueles que escrevem livros meramente para adquirir a respeitabilidade e admiração de seus colegas docentes; nem pertence a mosteiros anacrônicos, que procuram se aproximar de Deus distanciando-se do mundo que Ele criou. Mas é tarefa de todas as pessoas”.
O estudo da teologia é uma tarefa para todo cristão. Erramos quando não nos esforçamos na leitura e reflexão das escrituras. Jesus nos adverte em sua palavra sobre a questão e, portanto pecamos quando não damos crédito a ela. Corremos sério risco de cairmos no engano cometendo erros de interpretação de textos bíblicos que podem nos levar a uma fé errante. Leia a crítica de Jesus feita aos seus opositores sobre a questão (Mt.22.29; Mc.12.24; 14.49).
Uma teologia sadia, livre de pressupostos humanos, feita com análise cuidadosa, visto que há várias correntes teológicas em nosso meio, certamente nos ajudará a encontrar um caminho mais seguro na busca da maturidade.
O estudo e reflexão das escrituras, acompanhado de oração, humildade e submissão ao Espírito Santo, resultará em uma compreensão mais profunda sobre a pessoa de Jesus Cristo, como também nos dá maior clareza quanto a nossa identidade cristã, nos levando ao exercício de uma espiritualidade mais centralizada em Cristo.
Nesse estudo, Teologia e oração devem ser duas amigas inseparáveis, pois ambas devem caminhar juntas. Teologia sem oração resulta em racionalismo teológico onde o aluno corre sério risco de desenvolver uma espiritualidade focada na razão sem muitas experiências relacionais ou quase nenhuma intimidade com Deus. O grande perigo que permeia é colocar a razão acima da fé. Teologia sem oração produz teólogos com pensamentos liberais em extremo, pois a falta de oração e humildade no estudo da teologia aniquila a fé.
Oração sem teologia resulta em uma fé alienada. Fé que não reflete, não pensa, não constrói convicções seguras nas escrituras, fé que está sujeita a manipulação, fé aprisionada nos grilhões da ignorância resultando em um analfabetismo teológico, fé induzida pelas massas, pelo falso discurso, fé vacilante. Como bem disse John Stott:[3]“Crer é também pensar”. Fé que não pensa impede o avanço da maturidade.
A teologia também exerce papel importante no tocante à libertação da tradição, formalismo e legalismo, males que permeiam nos sistemas denominacionais ultrapassados. São dogmas e tradições criados e impostos por homens que em nome da denominação, coloca-os acima das escrituras, onde tais pensamentos não encontram sustentação bíblica e teológica. A teologia estudada à luz das escrituras alarga a visão, fazendo o cristão enxergar novos horizontes, fazendo análises, releituras e reinterpretações numa perspectiva mais escriturística, com bases mais sustentáveis da revelação de Deus ao homem. Não que através da teologia sejamos transportados para outra esfera com pensamentos liberais e críticos, ao ponto de negar fundamentos como inerrância das escrituras, sua infalibilidade[4] e outros conceitos reformados, mas uma análise que busca um relacionamento amoroso com Deus e com o próximo, livres das interpretações, ritos e tradições baseadas em maquetes religiosas.
É na teologia que encontramos a liberdade de expressão onde por meio da liberdade em Cristo Jesus revelada em sua palavra, poderemos formar uma linha de pensamento teológico livre de manipulações e pressupostos humanos onde o teólogo passa a desenvolver uma teologia reflexiva equilibrada, passando assim a uma melhor compreensão de questões como Reino de Deus, Liderança, fé, Escatologia, predestinação e livre arbítrio e dentre outros temas dentro do campo da teologia.
A teologia é tarefa para todos porque Deus deseja em seu infinito amor amar e ser amado. É Deus que através da teologia bíblica deseja se revelar a toda à humanidade. O ser humano em seu estado de depravação e pecado está incapacitado de se aproximar de Deus, e somente por intermédio da pessoa de Jesus Cristo é encontrada esta possibilidade. É neste cenário que entra o estudo da teologia. Não em outro lugar, se não nas escrituras o homem encontra Deus revelado na pessoa do Filho Unigênito, O Cristo encarnado, O Deus que se fez homem e habitou entre nós, O Jesus de Nazaré, O verbo vivo, O Deus de toda eternidade. A teologia cumpre seu papel dando a todos a possibilidade de conhecer e desfrutar da maravilhosa graça de Deus revelada nas escrituras.
Alister Mcgrath[5] explica que Estudar teologia é como abrir uma porta. Atrás dela há uma miríade de tesouros. Podemos pegá-los, uma de cada vez, e nos maravilhar com sua beleza e riqueza. Abrir a porta da cada do tesouro da teologia cristã é examinar cada um dos grandes temas da fé.
Cada assunto, como joias preciosas, merece cuidado e atenção individual. Cada um tem muito que oferecer. Cada um nos fascina a mente, nos anima o coração e nos faz querer pregar as boas-novas.
A teologia nada tem a ver com isolamento frio e clínico, nem com fórmulas e frases secas e vazias. O que importa nela é como aprender mais sobre o Deus vivo e amoroso, e servir-lhe por inteiro com a mente e o coração. Para aprender mais sobre Deus é preciso estar mais perto dele e buscar com afinco o dia em que finalmente estaremos com ele. [6]
Para muitos estudar teologia é um meio de se destacar entre os demais numa maneira de alimentar o ego ou uma tentativa de conhecer Deus em sua totalidade, o que certamente não acontecerá. Para outros, e nisto lamento, a teologia é uma forma de receber alguma ordenação de sua denominação ou enganosamente entender que fazendo teologia receberá título de pastor, bispo, ancião, padre, presbítero, e etc. Deve-se fazer teologia simplesmente para Servir a Deus e aos irmãos. O tempo de estudo, as pesquisas, o investimento financeiro e tudo mais, são puro desperdício se a motivação não for servir no Reino De Deus.
Aos estudantes de teologia cabe a árdua tarefa de levar a igreja a trilhar no caminho de uma verdadeira espiritualidade, uma vida que imita a Cristo, ensinar uma teologia que revele a graça de Deus como de fato ela é, sem camuflagem, sem artifícios humanos, uma teologia que parte do coração de Deus, que coloca Cristo como centro, uma teologia que produz vida, e vida com abundancia. A Deus Toda a Glória!
adaptado por Oseias de Lima Vieira
[1] Teologia cristã pode ser definida como as verdades fundamentais da Bíblia e de outras fontes reconhecidas como divinamente inspiradas apresentadas de forma sistemática; ou ainda, a filosofia que trata do nosso conhecimento de Deus e do relacionamento do Deus Altíssimo com o homem, compreendendo assim tudo quanto se relaciona a Deus, a Bíblia e os propósitos divinos. Encontra-se expressa, basicamente, em quatro grandes seções: teologia sistemática, teologia bíblica/teologia exegética, teologia prática e teologia histórica. Os teólogos cristãos usam da exegese bíblica, a análise racional e argumentos para entender, explicar, testar, criticar e defender o Cristianismo.
[2] Presbítero da Igreja Presbiteriana do Brasil, membro da Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, em São Paulo, graduado em Ciências Exatas, fez o mestrado no Biblical Theological Seminary (EUA, 1974). Solano Portela, além de suas atividades no campo empresarial, em São Paulo, é escritor, tradutor e conferencista.
[3] John Robert Walmsley Stott, CBE (27 de abril de 1921 – 27 de julho de 2011[1]) foi um líder anglicano britânico, conhecido como uma das grandes lideranças mundiais evangélicas. Foi um dos principais autores do pacto de Lausana, em 1974. Em 2005, a revista Time classificou Stott entre as 100 pessoas mais influentes do mundo.
[4] É a expressão teológica que descreve a crença de que a Bíblia é isenta de erros em temas de fé e prática. Há uma sutil diferença com relação a doutrina da inerrância, segundo a qual a Bíblia não contém erros de espécie alguma.
[5] Alister McGrath (Belfast, 23 de janeiro de 1953) é um teólogo cristão, apologista, professor de Teologia, Religião e Cultura, na King's College, de Londres e pesquisador sênior do Harris Manchester College. Possui pós-doutorado em biofísica molecular e doutorado em teologia pela universidade de Oxford. Seu interesse principal se concentra na história do pensamento cristão, com ênfase particular na relação entre as ciências naturais e a fé cristã. Ex-ateu, o Dr. McGrath é considerado um dos mais influentes pensadores cristãos da atualidade.
[6] MCGRATH, Alister: Teologia para Amadores, Editora Mundo Cristão, pág 69
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