Elton Trueblood:
“O evangelismo ocorre quando o cristão fica tão inflamado em contato com o fogo central de Cristo, que, por sua vez, põe fogo nos outros.”
“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor” (Lucas 4, 18-19)
Uma das grandes restaurações em nossos dias tem sido a recuperação da Missio Dei. Esse é um termo elegante em latim para o que chamamos de missão de Deus. A palavra “Missio” é a palavra latina que significa “enviado”, ou seja, é o “envio” da igreja. Deus é um Deus missionário (MOREAU, 2001). E o que queremos dizer é que Deus enviou o Filho. O Filho é enviado pelo Deus missionário que por sua vez, também é um missionário. Ele (Jesus) e o Pai enviaram o Espírito Santo. O Espírito também é na verdade um Espírito missionário- o enviado – enviou ao mundo com um propósito. E como lemos em João 20:21: “Novamente Jesus disse: “Paz seja com vocês! Assim como o Pai me enviou, eu os envio””. Somos todos enviados! Cada cristão é um enviado. Não há tal coisa como um cristão não-enviado que não consegue participar dos propósitos eternos de Deus através da igreja. E todos nós devemos estar envolvidos nesta missão! O autor Hendrick Kraemer (1938, p. 358) foi enfático ao afirmar que “a igreja…unicamente de todas as instituições no mundo é fundada numa comissão divina”. Assim como o escritor Kraemer, a escritora Ellen White (2010, p. 9) na mesma linha em seu clássico livro Atos dos Apóstolos afirma que “A igreja é o instrumento apontado por Deus para a salvação dos homens. Foi organizada para servir, e sua missão é levar o evangelho ao mundo.
Portanto, estamos diante a uma grande missão. A Missio Dei é a nossa missão. A clássica afirmação de Jürgen Moltmann (1993, p. 10): “não é uma igreja que ‘tem’ uma missão, mas ao contrário, na missão de Cristo que se cria uma Igreja. Não é uma missão que deve ser compreendida a partir da Igreja, mas o contrário”, ele é bem específico quanto a missão da igreja, a importância da compreensão do que é missão deve orientar-nos a uma estratégica eficaz no cumprimento da mesma em nossos dias. Moltmann continua afirmando que não é a Igreja que tem uma missão de salvação para cumprir com o mundo, é a missão do Filho e do Espírito através do Pai que inclui a Igreja. A Igreja vem a ser como a igreja, quando se envolve em missão à medida que atravessa o limite do judaísmo para os gentios, e percebe que a sua missão é a própria missão de Deus: para ir ao o mundo e ser cooperadora de Deus, na cura e libertação. Com isto, “a missão não é apenas uma atividade da igreja, Pelo contrário, a missão é o resultado da iniciativa de Deus, enraizada nos propósitos de restaurar e curar a criação” (GUDER, 1998 p. 66). É por isso que podemos dizer, sobre atividade missionária, que a igreja é missionária por sua própria natureza (BLAW, 1962). Missão precede a igreja. A missão é, antes de tudo de Deus: Deus de dentro para fora no mundo por meio do Espírito, Deus em Jesus ensinando, curando e salvando. Quase inacreditavelmente, como um ato de graça!
Imagine o que seria de nossa igreja se os cristãos realmente entendessem isso e levassem a sério a Missão de Deus. O que significa, em primeiro lugar, que a igreja não está centrada na igreja em si, mas sim está centrada no que Jesus chamou o Reino de Deus. Johannes Blaw (1962) declara que não há outra Igreja, que não a Igreja enviada ao mundo. Somos igreja não quando estamos a dentro de um edifício, mas quando estamos fora dele: sendo bons pais, sendo amorosos cônjuges, sendo diligente e honesto em nosso local de trabalho, tratando nossos pacientes com cuidado se somos da área da saúde, andando uma milha extra com os nossos alunos se somos professores, sendo responsável com o meio ambiente, sendo cidadãos responsáveis, partilhando os nossos recursos com os necessitados, desenvolvendo trabalhos sociais sem interesse, conscientemente, usando uma linguagem inclusiva, tratando bem os imigrantes, tentando compreender as pessoas de outras religiões, etc. A missão será uma maneira e um estilo de vida, como bem colocou Francisco de Assis “pregue a Palavra. Se for necessário, use palavras”.
O que percebemos também é que somente poucas pessoas na igreja tem um monopólio com relação ao trabalho missionário para o Reino de Deus. Para Renold Blank (2006, p. 38) todo o membro precisa ser mais ativo dentro do contexto de missão, ele afirma que “dentro da pastoral urbana [da Igreja], desaparece também a imagem tradicional de toda pastoral: a ovelha a ser guiada.” Aparentemente, o líder religioso é responsável por tudo e todos. A ideia é bem clara, todos devemos estar envolvidos na missão de Deus. Ellen White (2010, p. 110) declarou sobre esta responsabilidade dizendo que “não somente sobre o ministro ordenado repousa a responsabilidade de sair a cumprir esta missão”. Já o autor Andrew Kirk (2006) coloca desta forma afirmando que a igreja é missionária por natureza ao ponto de que se ela deixa de ser missionária, ela não tem falhado simplesmente em uma de suas tarefas, ela deixa de ser igreja em seu dia a dia. Todo aquele o que haja recebido a Cristo é chamado a trabalhar pela salvação de seus semelhantes. O grande missiologo David Bosch (2005, p. 391) colocou muito bem dizendo que “a missão não é primordialmente uma atividade da igreja, mas um atributo de Deus. Deus é um missionário.” Tendo isto em mente, o autor Moltmann escreveu que:
“a pregação do evangelho não se limita a servir para instruir os cristãos e fortalecer a sua fé, serve sempre para chamar os não-cristãos, ao mesmo tempo. Toda a congregação tem dons espirituais e carismáticos, não apenas os seus pastores. Toda a congregação e cada indivíduo em que pertence a todos os seus poderes e potencialidades para a missão do reino de Deus” (1993, p. 10)
O que seria importante não é o papel das pessoas na igreja, mas como os lideres podem preparar as pessoas para o ministério no mundo. Se a missão precede a igreja, e constitui-lo como tal, não haverá Cristãos “passivos” na Missio Dei, tomando a grande comissão em um grande e elevada “omissão”. O batismo de novos conversos será entendido como o principal alvo da igreja, dando a todos os cristãos o privilégio e o dever de ministério por meio de uma vida vivida no testemunho do evangelho no mundo. Missão vai ser entendida como parte da vida cristã e não somente algo esporádico ou em datas exclusivas. Allan Hirsch (2006, p. 82) declara que “O verdadeiro e autêntico princípio de organização da igreja é a missão. Quando a igreja está em missão é a verdadeira igreja. A missão de Deus flui diretamente através de cada crente e de cada comunidade de fé que adere a Jesus”. Certamente inclui, mas não se restringe a ir para o exterior, ou imergindo em culturas exóticas ou situações perigosas. Muitas pessoas na igreja são chamados para esta missão. Todos os cristãos, porém, são chamados para ministrar em maneiras ordinária e extraordinária em suas vidas diárias.
Imagine, finalmente, como o reconhecimento de que a missão é essencialmente de Deus seria aliviar nossa ansiedade e letargia na igreja. Deus certamente nos deu o privilégio de ser colegas de trabalho para anunciar as boas novas aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos e para publicar o ano da graça do Senhor em nosso mundo. Em última análise, porém, a obra é de Deus. Fazemos o nosso melhor, trabalharemos com todos os nossos corações, mas podemos perceber que nem tudo depende de nós. Precisamos do auxílio divino para o cumprimento da Missio Deus, pois o maior interessado na salvação do ser humano é o próprio Deus, seu desejo é “que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade.” (I Timóteo 2:4)
Contextualização da mensagem Bíblica
Francis Schaeffer (1982, p. 424), quando perguntado sobre o que faria se tivesse apenas 1 hora para falar do Evangelho para alguém que acabasse de conhecer, respondeu que passaria os primeiros 45 minutos fazendo perguntas e tentando conhecer essa pessoa, para só depois falar da simples mensagem do Evangelho. De acordo com a declaração acima, David J. Hesselgrave (1978, p. 121) afirmou: “Compreender a cosmovisão (crenças) de outra pessoa é o ponto de partida para comunicar o evangelho”. Ao mostrar uma compreensão e interesse nas crenças de outras pessoas ganhamos credibilidade e integridade com a mesma. Contextualização envolve a construção de uma ponte para ligar o mensageiro (evangelista) para seu público alvo. O apóstolo Paulo poderia ser considerado como um construtor de pontes.
O que é contextualização? De acordo com Stan May (2005, p. 89-102) “é o trabalho em curso de apresentar a mensagem imutável do Evangelho nas formas mutáveis da cultura de modo que os receptores são capazes de entender, interiorizar e abraçar a mensagem de maneira que Deus pretendia que fosse compreendida.” No processo de contextualização, a mensagem do evangelho não muda, ela categoricamente é imutável, não é negociável, mas o método de apresentação pode ser variado. A partir da observação da vida de Paulo e da mensagem, pode-se notar como foi apresentado o evangelho para atender às necessidades do seu público.
Quando Paulo dirigiu-se aos judeus monoteístas nas sinagogas, ele começou com a Escritura do Antigo Testamento. Os judeus aceitaram o Antigo Testamento como revelação especial da parte do Senhor. Ao fazer isso, ele foi capaz de estabelecer uma base comum com eles. Isso tornou fácil para ele para comunicar o evangelho a eles. Em Atos 9:19-22, ele pregou o evangelho para os judeus. Refletindo sobre esta passagem, AT Robertson (1909, p.61)escreveu: “Toda a grande super estrutura do seu ensinamento futuro para os judeus se desenrolou aqui. Ele sabia com certeza que Jesus foi o Messias dos judeus.” Além disso, isso mostra o núcleo do ministério de Paulo aos judeus de todo o livro de Atos. Ele provou pelas Escrituras que Jesus é o Cristo.
Para os pagãos de Listra (Atos 14), Paulo apresentou o evangelho com outro abordagem de como ele fez com os judeus. Como Homero A. Kent (1972, p. 116 2 117) observou: “O discurso de Paulo aos pagãos era apropriado para a sua audiência. Ele não fez nenhum apelo especial às Escrituras, mas construíu seu argumento sobre o conhecimento que tinham do mundo natural. Ele ressaltou a evidência da natureza sobrenatural de um Criador, e mostrou a insensatez da idolatria.” Isso registra o primeiro sermão em Atos para uma audiência puramente pagã. Ele não começa com Jesus. Ele mencionou três coisas sobre Deus: Ele é o Criador de todos os viventes na terra e no céu, Deus é misericordioso (v.16), e Deus é um provedor (v.17). Em seguida, ele apelou para que eles abandonassem a sua religião sem valor e voltar para o Deus vivo e verdadeiro, que é a fonte da vida. Nesta situação, Paulo começou sua apresentação do evangelho a partir do que eles já sabiam a respeito de Deus.
Em outra ocasião, enquanto em Atenas, a idolatria da cidade perturbou o seu espírito. Como ele pregou na sinagoga e discutiu no mercado, os filósofos estóicos e epicuristas convidaram Paulo para vir e apresentar “ensinar este novo” em Areópago (Atos 17:22-31). Neste caso, Paulo pregou para um grupo que não só era composto de gentios, mas também incluiu alguns da elite intelectual da cidade. Em sua abordagem, ele não recorreu às Escrituras, mas novamente a evidência na natureza, que enfatiza um Criador sobrenatural e a necessidade natural do homem para adorar as coisas que apontam para Deus. O sermão de Paulo (Atos 17:22-32) transmitiu uma linguagem de pensamento que seria inteligível e compreensível para os filósofos gregos pagãos.
Independentemente de sua audiência, quer judeus ou gentios, ignorante ou elite, pobre ou rico, ele nunca deixou de declarar todo o conselho de Deus. Apesar de abordagem diferente com cada grupo, Paulo se esforçou para construir pontes em terreno comum de entendimento. De acordo com Wagner (1988, p 41) ele sempre começava com conceitos familiares ao seu público e de lá seguiu para a uma nova verdade novo ao desconhecido. O apóstolo Paulo manteve fortemente centrado em Cristo na sua pregação. O missionário britânico Lesslie Newbigin (1986) foi a Índia na década de 50. Quando saiu da Inglaterra, a igreja ocidental, entretanto, se relacionava com a cultura, era o que se chamava de cristandade. Depois de voltar de décadas como um missionário na Índia, percebeu como a civilização ocidental secularizada tinha se tornado paganizado. Ele argumentou que os cristãos no Ocidente deveriam enxergar o mundo como um campo missionário, e que a igreja deve adotar a postura de um missionário de como ela se relaciona com a cultura. A igreja missional segue o método de Jesus de se relacionar com a mensagem do evangelho na vida das pessoas dentro de seu contexto.
by Everaldo Carlos
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