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29 de outubro de 2017

A FÉ EM MOVIMENTO




Publicado em 27/10/2017 por Valor Online

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Estátuas de Martinho Lutero de instalação do artista Ottmar Hoerl em praça em Wittenberg, cidade ao Leste da Alemanha, onde o religioso protestou contra a Igreja Católica "Quebra tudo! Todo mal tem de ser desfeito em nome de Jesus", diz o homem, sem aparecer no vídeo, enquanto a mulher, que ele chama de "capeta chefe", quebra vasos e utensílios religiosos. O local é o Morro do Dendê, na Ilha do Governador, zona norte do Rio; o homem, um traficante supostamente evangélico; e a mulher, a mãe de santo obrigada a destruir o próprio terreiro. Outra cena: em Manhattan, membros da Igreja Presbiteriana da 5ª Avenida entram em seu templo histórico - construído em 1875, pelo mesmo arquiteto que projetou a Bolsa de Valores de Nova York - para ouvir o sermão dominical. Ao púlpito, em vez do pastor, está Timothy Dolan, arcebispo de Nova York e maior autoridade católica da cidade. A primeira cena foi fartamente exibida na TV e na internet nas últimas semanas; a segunda ainda não ocorreu - está marcada para domingo, numa comemoração pelo Dia da Reforma Protestante, o movimento religioso que completa 500 anos no dia 31. Qual cena representa melhor a herança da Reforma? O que persiste do cisma que quebrou a hegemonia da Igreja Católica Romana e abriu espaço para a multiplicidade do pensamento religioso no Ocidente? Para muitos, os dois casos são extremos. Após a divulgação do vídeo, líderes evangélicos vieram a público para criticar a ação e dizer que é impossível ser evangélico e traficante ao mesmo tempo. Da mesma forma, tentativas de reaproximação entre católicos e protestantes são vistas com desconfiança por muitos segmentos nos dois rebanhos. Os episódios mostram, porém, como um movimento iniciado no século XVI continua a desencadear ações tão diferentes, sob um amplo espectro de pensamento. Como em qualquer revolução, julgar a Reforma por um ou outro aspecto isolado não dá conta de sua complexidade. Em sua origem, a Reforma não era um movimento separatista. A história começou em 31 de outubro de 1517, quando Martinho Lutero, um monge agostiniano, afixou 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, na Alemanha. O documento trazia críticas severas à Igreja Católica Romana, em especial ao comércio das indulgências, uma declaração de perdão dos pecados que Roma vendia para financiar a construção da Basílica de São Pedro. Quatro anos depois, Lutero foi excomungado, mas o descontentamento já se espalhara pela Europa, lançando as bases da Reforma. O movimento se apoiou em cinco princípios - os chamados "solas" em latim: somente a fé, somente a Escritura, somente Cristo, somente a graça, glória somente a Deus. O termo "protestante" vem de uma tentativa do Sacro Império Romano-Germânico de reverter a liberdade concedida às novas igrejas, em 1529. Príncipes alemães que haviam se convertido protestaram contra as medidas - e o nome "pegou". A pedido do imperador Carlos V, Martinho Lutero se apresentou em 17 e 18 de abril de 1521 em assembleia na cidade de Worms, para responder a acusações de heresia Da Europa, a Reforma se espalhou para a América do Norte, em especial os Estados Unidos, país fundado por puritanos ingleses, e, bem mais tarde, para o hemisfério Sul, incluindo América Latina, África e Ásia. É onde, hoje, o protestantismo mais cresce. No Brasil, ganhou contornos bem específicos. "[A religião] nunca chega [a outro lugar] da maneira que era originalmente", diz o reverendo Davi Charles Gomes, chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Duas forças atuam no processo, explica o pastor. Uma é centrípeta: vai de fora para o centro e exige uma adaptação rigorosa do indivíduo aos princípios religiosos. A outra, centrífuga, é a que predomina no Brasil. Vai do centro para as bordas, o que significa que a pessoa abraça novas convicções religiosas sem, necessariamente, abandonar as anteriores. É uma definição do sincretismo predominante no país. "Como em 'Macunaíma', o índio não consegue ver o loiro porque um é parte do outro", afirma Gomes, em uma alusão ao romance de Mário de Andrade. No livro, obra central do modernismo, o protagonista é um índio negro que entra em uma poça de água encantada e vira branco de olhos azuis. O Brasil é cada vez menos católico romano, mas isso não significa que o futuro do país seja protestante - pelo menos não no sentido clássico do termo. Em um século, de 1872 a 1970, a participação católica variou muito pouco, caindo de 99,7% para 91,8% da população. Desde então, porém, essa redução vem se acelerando rapidamente. Em 40 anos, até 2010, os católicos saíram do patamar de quase 92% para 64,6%. Enquanto isso, a presença evangélica quadruplicou, saindo de 5,2% para 22,2%. Mas não são as igrejas históricas, nascidas na Reforma ou fortemente influenciadas por ela, as que mais crescem no país. Esse grupo - que reúne luteranos, presbiterianos, metodistas, batistas e outras denominações tradicionais - permaneceu praticamente estável entre 2000 e 2010, data do mais recente censo do IBGE. A participação apresentou até uma retração discreta, de 4,1% para 4%. Foram as igrejas pentecostais, surgidas a partir do início do século XX, e as neopentecostais, ainda mais recentes, que puxaram o crescimento, aumentando de 10,4% para 13,3%. A questão, para alguns especialistas e religiosos, é que essas igrejas se distanciaram tanto das doutrinas dos primeiros reformadores que muitas delas nem podem ser consideradas protestantes. Em 40 anos, até 2010, a proporção de católicos no país caiu de 92% para 64,6%, e a presença evangélica quadruplicou, passou de 5,2% para 22,2% "A Reforma precedeu o Iluminismo e foi um dos eventos mais importantes da história. Graças a ela passamos a ver como naturais situações de insatisfação e contestação", diz o bispo Robson Rodovalho, presidente e fundador da Igreja Sara Nossa Terra, uma denominação neopentecostal. A Sara Nossa Terra foi criada na década de 80, em meio a um movimento de renovação ocorrido entre as próprias igrejas evangélicas, afirma o bispo. Como é comum entre os neopentecostais, na Sara Nossa Terra são estimulados fenômenos como curas divinas e "falar em línguas" - a capacidade de se expressar em idiomas irreconhecíveis, que teriam natureza divina. São os chamados "carismas", também apreciados por alguns grupos católicos, os "carismáticos". Nada disso foi defendido na Reforma, mas Rodovalho afirma que esses dons estão previstos na Bíblia e que os reformadores não tiveram tempo de abordá-los porque tinham questões mais relevantes para tratar, como a autoridade das Escrituras. Outro ponto de discórdia é a teologia da prosperidade, a ideia de que a vontade de Deus é que os cristãos sejam abençoados com bens materiais. Como numa espécie de contrato cósmico, se a pessoa for fiel nas contribuições, Deus cumprirá a promessa de enriquecimento. O princípio, visto como veneno nas igrejas históricas, é um esteio neopentecostal. O bispo Rodovalho reconhece que há exageros nessa linha, principalmente em programas religiosos de TV. "Mas concordo com prosperidade na essência", afirma. "Prosperidade é o suficiente de tudo, não o excesso. Se a pessoa não muda sua convicção, vai ser pobre a vida toda." Não é de hoje que as igrejas reformadas se dividem por causa de questões doutrinárias ou mesmo administrativas, como formas de governo. A existência de tantas denominações é uma prova disso. No Brasil, onde o protestantismo só se estabeleceu a partir do século XIX, com a chegada de imigrantes europeus e missionários americanos, é ainda mais difícil compreender a complexidade desse cenário. Alguns colocam todas as igrejas sob o mesmo rótulo, o de evangélicas. Outros identificam como protestantes as igrejas históricas, classificando as demais como evangélicas. Oficialmente, o critério do censo populacional estabelece dois subgrupos: os evangélicos de missão, como luteranos e batistas, e os pentecostais. Nesse último grupo estariam tanto essas denominações propriamente ditas, como Assembleia de Deus e Congregação Cristã do Brasil, como as neopentecostais, caso da Igreja Universal do Reino de Deus, da Renascer em Cristo e da Sara Nossa Terra. O desafio adicional para as igrejas reformadas é que, agora, além dos pontos teológicos, questões práticas têm provocado ruído na relação interdenominacional. São temas como direito ao aborto, uso de células-tronco e pena de morte. Gravura de 1882 posteriormente colorizada que retrata Martinho Lutero afixando suas 95 teses na porta de igreja em Wittenberg, em 1517, que deram início à Reforma Protestante No domingo, dia 22, famílias que frequentam a Catedral Anglicana de São Paulo, no bairro do Alto da Boa Vista, zona sul da capital, reuniram-se em um gramado ao lado do templo para almoçar juntos. "Mas família para nós não significa só casais heterossexuais. É mais amplo", diz o reverendo Aldo Quintão, pároco da catedral. Quintão dá a eucaristia a divorciados, realiza uniões homossexuais e batiza filhos desses casais, o que causa desconforto entre seus pares. Recentemente, ele foi excluído de um grupo de pastores no WhatsApp por causa de suas atitudes polêmicas. Na catedral, também não há restrições quanto à participação dos membros na administração. "Onde tem hetero pode ter gay, e onde tem casado pode ter divorciado", diz. Nos Estados Unidos, ainda profundamente religioso, e na Europa, secularizada, essas questões têm provocado muita discussão e separado alguns rebanhos. A Igreja Católica começou a receber sacerdotes anglicanos, inclusive casados, que deixaram suas congregações depois que foi aprovada a participação de mulheres no sacerdócio, inclusive no papel de bispos. A PCUSA, maior igreja presbiteriana dos Estados Unidos, viu dezenas de congregações pedirem para abandonar a denominação em 2015, depois que seus líderes aprovaram, em assembleia, o casamento gay. Um levantamento do Pew Research Center, respeitada instituição de pesquisa de Washington, mostra que o número de pessoas que frequentam as chamadas "mainline protestants" - os grupos protestantes mais tradicionais dos EUA e, também, os mais liberais - caiu de 18,1% da população adulta americana para 14,7% entre 2007 e 2014. Isso significa uma perda de 5 milhões de membros, com o rebanho diminuindo de 41 milhões para 36 milhões de pessoas. Para observadores, o fato de temas como sociedade, política e cultura - em vez da religião e da espiritualidade - ocuparem muito espaço nessas igrejas é um dos motivos de seu declínio. Para discutir esses temas, as pessoas já teriam outros fóruns, como a universidade, a mídia e mesmo partidos políticos. Ao aderir sem questionamentos às agendas liberais, as igrejas ficariam invisíveis. "Alienação gera irrelevância, mas acomodação também", afirma o reverendo Gomes, do Mackenzie. "A vitalidade da igreja tem a ver com sua autenticidade." Na Catedral Anglicana, a despeito dos posicionamentos pouco ortodoxos, o rebanho tem crescido, com a atração até de sacerdotes de outras tradições. "Neste mês recebemos seis padres católicos", conta o reverendo Quintão. Três deles planejam se casar, o que é impossível na Igreja Católica, que estabelece o celibato obrigatório. Os outros três pretendem manter-se celibatários, mas decidiram mudar de igreja mesmo assim. "Família para nós não significa só casais heterossexuais. É mais amplo", diz o reverendo Aldo Quintão, pároco da Catedral Anglicana A Igreja Anglicana mistura elementos protestantes e católico romanos. "Alguns sacerdotes preferem ser chamados de padre e outros, de pastor. E tem gente que fala em culto enquanto outros chamam de missa", diz o reverendo Quintão. A catedral tem atuação autônoma. Não está ligada a outras igrejas anglicanas existentes no país. A Bíblia ocupa um papel central na doutrina, como nas igrejas reformadas, mas há mais espaço para a tradição, como gostam os católicos. A característica que não pode faltar, afirma o pároco, é a participação da comunidade. Um dos mais recentes projetos é a abertura de uma casa de transição para crianças vítimas de abuso. Uma lista de casamento está circulando entre os frequentadores para mobiliar a casa. Juízes, arquitetos, engenheiros e pedagogos que frequentam a igreja estão ajudando com orientações, e mães vão se revezar na casa para fazer bolos, contar histórias etc., como numa família de verdade. Com a comemoração dos 500 anos em curso, protestantes do mundo inteiro promovem seminários, cultos comemorativos, cursos, concertos. Edições especiais da Bíblia e uma infinidade de livros estão sendo lançados, ao lado de selos e produtos de consumo. Em meio aos festejos, é curioso ver como uma instituição que seria persona non grata apenas décadas atrás, hoje tem convite para entrar na festa - a Igreja Católica Romana, antiga opositora. Isso tem muito a ver com o papa Francisco. Nenhum outro papa pareceu tão disposto ao diálogo com outras religiões como ele, dizem especialistas. "Francisco é fruto do Concílio Vaticano II", afirma João Décio Passos, autor e professor do departamento de teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O Vaticano II foi um grande encontro da igreja que durou pouco mais de três anos - de 1962 a 1965 - e mudou várias regras vigentes. Por exemplo, permitiu que as missas fossem feitas nas línguas de cada país, em vez do latim, como antes. Ao todo, foram produzidos 16 documentos, que receberam a contribuição de protestantes, convidados como observadores. Do ponto de vista do diálogo inter-religioso, foi um avanço radical. Desde o Concílio de Trento, ocorrido entre 1545 e 1563, Roma só fez duas coisas em relação à Reforma Protestante - condená-la e combatê-la, diz Passos. Demorou 400 anos para que essa posição fosse revista no Concílio Vaticano II. Estátua de Martinho Lutero na cidade de Eisleben, no Estado alemão de Saxônia- Anhalt, onde o religioso nasceu, em 1483; em 2017, Igreja Protestante celebra 500 anos da Reforma As posições de Francisco remetem a João XXIII, o papa que convocou o concílio na década de 60. Eleito quando já tinha 77 anos, João XXIII teve um curto pontificado, entre 1958 e 1963. Ele só dirigiu o primeiro dos quatro encontros do concílio, mas ditou o tom progressista que modernizaria a Igreja Católica. Depois dele, houve uma espécie de hiato conservador. Paulo XI, o sucessor, tinha preocupações sociais porque vinha de Milão, uma cidade industrial, e valorizava o trabalho, mas não era tão progressista em relação às doutrinas da igreja, afirma Passos. João Paulo II trouxe para o papado sua bagagem polonesa. A Polônia sofreu várias invasões ao longo de sua história e passou momentos difíceis tanto sob o nazismo como dentro da chamada "Cortina de Ferro", estabelecida pela extinta União Soviética. Durante todo esse tempo, o catolicismo foi uma força de resistência na afirmação da identidade do país. "Ser polonês é ser católico", resume o professor da PUC. Com esse perfil, João Paulo II fez um pontificado conservador. O maior retrocesso, no entanto, veio com Bento XVI. No Concílio Vaticano II houve uma grande discussão a respeito de uma frase segundo a qual a Igreja Católica é a Igreja de Jesus Cristo. Parece um detalhe, mas não é. A ala mais progressista observou que a frase denotaria que só a igreja de Roma seria a verdadeira, fechando as portas para o diálogo com outros grupos cristãos. Ao fim, a expressão foi modificada para dizer que na igreja de Roma subsiste a Igreja de Cristo, uma forma de reconhecer a expressão cristã de outras tradições. Bento XVI voltou a inflamar os ânimos ao dizer que "é" e "subsiste" têm significado idêntico, o que equivaleu rebaixar as igrejas protestantes à condição de seitas, quando muito. Esse posicionamento contrasta frontalmente com as ações de Francisco. No ano passado, o papa foi à Suécia, majoritariamente protestante, para participar, com pastores luteranos, da abertura das comemorações dos 500 anos da Reforma. Francisco reconheceu a contribuição de Lutero para dar um papel central à Bíblia na igreja e disse que era preciso superar as polêmicas que impediram o entendimento entre os dois lados. Outro levantamento do Pew Research Center mostra que entre os protestantes europeus, 58% veem sua religião como mais parecida que diferente do catolicismo. A opinião é compartilhada por 57% dos protestantes americanos. Entre os católicos, 50% dos europeus e 65% dos americanos consideram as duas tradições mais como semelhantes que diferentes. A reaproximação, porém, não é fácil. Durante séculos, eventos históricos sangrentos pontuaram a divisão religiosa na Europa. Na França, em 1572, a coroa, que era católica, ordenou o massacre dos huguenotes, como eram chamados os calvinistas franceses, na Noite de São Bartolomeu. Na Inglaterra, os católicos viram seus direitos diminuírem - com o confisco de terras, inclusive - durante o governo puritano de Oliver Cromwell, entre 1649 e 1653. E esses são apenas alguns episódios. De acordo com alguns especialistas, as igrejas pentecostais e neopentecostais não podem ser consideradas protestantes No Brasil, houve duas tentativas de implantar o protestantismo antes do século XIX, mesmo que esse não fosse o fim principal. Uma delas, a "França Antártica", começou com uma expedição comandada por Nicolas de Villegagnon para estabelecer uma colônia no Rio de Janeiro. Foram enviados protestantes de Genebra - centro de difusão do protestantismo que tinha à frente o reformador João Calvino - para avaliar a possibilidade de o local servir de refúgio para os protestantes franceses. Os holandeses também trouxeram a prática protestante durante suas incursões ao Brasil, a partir de 1624. Nenhuma das duas progrediu. Até 1891, o catolicismo permaneceu como a religião oficial do país. Antes disso, protestantes não podiam ser enterrados na maioria dos cemitérios, nem construir templos. Isso fez com que o protestantismo nacional se desenvolvesse, em grande parte, como oposição ao catolicismo. Vitrais, cruzes, velas e o uso de togas por sacerdotes, que são comuns em igrejas protestantes de outros países, até hoje enfrentam resistência em muitas congregações evangélicas brasileiras. Fora dos limites religiosos, a Reforma Protestante também exerceu uma forte influência na formação das culturas nacionais. Uma das bandeiras de Lutero e dos demais reformadores foi a tradução da Bíblia para os idiomas locais, de maneira que as pessoas pudessem ler as Escrituras. Até então, o livro sagrado só estava disponível em latim ou grego e sua leitura cabia exclusivamente aos padres. Com a tradução da Bíblia veio também um esforço para alfabetizar a população, o que gerou um efeito positivo na educação e na produtividade dos países protestantes. O pensamento econômico, em particular, foi muito influenciado pelos pensadores reformados. O estudo "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", do alemão Max Weber (1864-1920), tornou-se um clássico ao fazer a correlação entre racionalismo econômico e filiação religiosa. Mas a influência protestante vai muito além disso. Algumas das maiores e mais conceituadas universidades americanas - Harvard, Columbia, Yale e Princeton - foram criadas por instituições religiosas reformadas. Até o início do século XX, essas escolas de elite faziam restrições a católicos e judeus, seja como professores ou alunos. E mesmo quando receberam permissão para dar aula, foi difícil aos não protestantes encontrar trabalho para ensinar disciplinas como literatura ou história americana, escreveu Bradley W. Bateman, reitor da Universidade Randolph, na Virgínia, em artigo na revista "The Atlantic". Suvenires, como velas com a imagem de Martinho Lutero e sua mulher, Katharina von Bora, são vendidos em Wittenberg, no embalo dos 500 anos da Reforma Protestante A influência protestante nos Estados Unidos ajudou a estabelecer a economia como uma disciplina acadêmica, com efeitos diferentes ao longo do tempo, segundo Bateman. A princípio, alguns textos diziam que fazer greve era um violação, por parte dos trabalhadores, do contrato de trabalho firmado com os empregadores. Mais tarde, muitos pensadores protestantes passaram a se ocupar da injustiça social, com ataques ao trabalho infantil e jornadas muito longas de trabalho. No Brasil, as igrejas protestantes históricas também criaram muitas universidades, o que aumentou sua influência social, apesar do contingente numérico relativamente pequeno frente à maioria católica. Nas últimas décadas, a política também entrou na agenda, mas sob um vetor marcadamente pentecostal e neopentecostal. Em agosto, 87 parlamentares participavam da bancada evangélica no Congresso, formada por 85 deputados federais e 2 senadores, de acordo com o Grupo de Pesquisa, Mídia, Religião e Cultura da Universidade Metodista de São Paulo. Considerada uma das frentes mais influentes no Parlamento, a bancada evangélica costuma se alinhar em torno do que seus membros classificam de valores familiares, como a restrição às uniões gays e ao aborto. A questão que os políticos evangélicos terão de enfrentar é como tratar desses temas frente às mudanças de opinião entre a população, e mesmo em algumas igrejas. "Na maioria das igrejas não passa a ideia da homoafetividade. É uma discussão que está no olho do furacão e depende dos estatutos, das lideranças e assembleias de cada igreja. Não é consenso", diz o bispo Rodovalho, que já foi deputado. A julgar pelo histórico de cinco séculos, será difícil unificar os protestantes em torno de convicções únicas, pela própria natureza do movimento que os originou. A inquietude provocada por Lutero se mantém acesa.

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