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8 de novembro de 2017

CALVINISMO NA ASSEMBLEIA DE DEUS

CALVINISMO NA ASSEMBLEIA DE DEUS





Assembleiano e calvinista convicto: uma entrevista com Geremias do Couto

Por Gutierres Fernandes Siqueira

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Hoje o teólogo Geremias do Couto nos concede uma entrevista sobre o impacto do crescente calvinismo nas Assembleias de Deus e entre pentecostais de maneira geral, normalmente identificados com o Arminianismo. Ele conta a própria experiência como um pentecostal, pastor assembleiano e calvinista convicto. Como será essa relação?

Geremias do Couto em palestra.
 Um dos poucos pastores assembleianos de expressão nacional assumidamente calvinista.

Geremias do Couto é pastor na Assembleia de Deus em Teresópolis (RJ), mestre em teologia pelo conceituado Gordon–Conwell Theological Seminary (GCTS) onde foi aluno do conhecido exegeta assembleiano Gordon Donald Fee, autor do livro “A Transparência da Vida Cristã” e coautor do obra “Teologia Sistemática Pentecostal”, ambos publicados pela CPAD (Casa Publicadora das Assembleias de Deus). Foi um dos editores da famosa Bíblia de Estudo Pentecostal (BEP) do norte-americano Donald Stamps. Couto também presidiu o Projeto Minha Esperança Brasil da Associação Evangelística Billy Graham.

Blog Teologia Pentecostal: Como pastor das Assembleias de Deus, conhecido escritor entre os assembleianos e de uma família de tradição pentecostal, como foi aderir ao Calvinismo? Qual a causa e a circunstância dessa guinada teológica?


Geremias do Couto: Creio que a expressão “aderir” é muito simplificadora, sobretudo para quem constrói a sua história de vida à luz da coerência. Isso foi mais resultado de um processo iniciado ainda na minha adolescência do que uma mudança propriamente dita. Sempre fui questionador e ledor voraz desde quando ainda era criança. Fui da época em que se marcavam os versículos a lápis de cor durante a leitura. Mantenho ainda o mesmo hábito.

Embora se diga que a AD seja tradicionalmente arminiana, pelos muitos de seus escritos em nossos órgãos oficiais, na prática, na rotina dos nossos púlpitos, regra geral, a verdade é que sobrepujava uma tendência para o semipelagianismo, sem que os pastores soubessem até o que isso significa. É só nos lembrarmos dos antigos “cultos de doutrina”, onde o que menos tínhamos era doutrina, mas a insistência na pregação dos usos e costumes, de forma opressora, com o risco de “perder” a salvação, se incorrêssemos na quebra de uma daquelas regras, mesmo que fosse jogar bola de gude ou soltar pipa. Cresci nesse ambiente em que durante o dia me via “perdendo” a salvação várias vezes, com drama de consciência, pois não conseguia cumprir à risca o que era necessário para manter-me salvo. A noite, tentando dormir, sofria com medo de ir para o inferno, se morresse, por causa das falhas cometidas.

A primeira vez em que se ensinou sobre a diferença entre doutrina e costumes em nossa igreja foi através do pastor Antonio Gilberto. Eu tinha por volta de 13 anos. Nos dias seguintes foi só confusão. O ministério foi até reunido, de forma protocolar, para discutir a questão. Para mim, no entanto, tratou-se de um divisor de águas até porque, em conversa particular com o conhecido mestre, enquanto almoçava com ele no restaurante, pude lhe expor um problema que então me atormentava: a masturbação. Ali, com a sua sabedoria, começou a descortinar-se para mim, como numa penumbra, o sentido da verdadeira salvação. Mas se contasse o problema para um dos presbíteros da igreja, seria sumariamente excluído da igreja. Pelo menos era o que eu pensava pela forma como éramos ensinados a viver a vida cristã. Ora, isso nunca foi arminianismo, mas com bastante complacência identifico como semipelagianismo: a salvação obtida pelo esforço humano.

Com o tempo passei a ter contato com as doutrinas da graça, a ler os mesmos livros citados pelo pastor Silas Daniel em sua entrevista, além de alguns outros, a fazer perguntas e mais perguntas, em diálogos imaginários com os autores das respectivas obras, com lógica e método na exposição do raciocínio, sem nunca abandonar a Bíblia, até que abraçar a fé reformada tornou-se algo natural, sem que houvesse necessidade da qualquer ruptura “explosiva”.

TP: Na sua opinião, quais são os motivos que levam inúmeros jovens  assembleianos a abraçarem o Calvinismo e a cosmovisão presbiteriana aqui no Brasil?


GC: Algumas razões já apresentei de forma implícita na resposta anterior, como a predominância do semipelagianismo em nossos púlpitos. Esse era o “arminianismo”que nos ensinavam. Mas convém sinalizar que a liderança assembleiana, com as honrosas exceções de praxe, sempre teve uma atitude refratária à educação teológica formal. Temos de ser realistas e encarar o fato sem maquiagem. Não éramos estimulados ao estudo acadêmico. João Kolenda Lemos e Ruth Dorris Lemos pagaram elevado preço para implantar o IBAD – Instituto Bíblico das Assembleias de Deus, a primeira instituição do gênero nas Assembleias de Deus, localizado em Pindamonhangaba, SP. É só folhear as páginas do Mensageiro da Paz do período, que serão encontrados artigos contrários e favoráveis ao ensino formal. Aliás, essa era uma qualidade que precisa ser exaltada. O Órgão Oficial assembleiano abrigava esse debate. Hoje, infelizmente, isso não mais acontece.

Outra questão a ser considerada é que a literatura pentecostal assembleiana, no Brasil, também era parca. Tínhamos poucos livros, a maioria de natureza devocional, mas praticamente nenhum de caráter acadêmico. Na verdade, uma de nossas maiores igrejas não adotava sequer a revista da Escola Dominical. A primeira obra sistemática de que me lembro, traduzida do inglês, foi “As Grandes Doutrinas da Bíblia”, de Myer Pearlman, que se tornou o livro de cabeceira dos pastores assembleianos. Já aqueles que conheciam o idioma de Shakespeare eram privilegiados e se tornavam a nossa fonte de conhecimento, visto que não tínhamos acesso a essas fontes primárias. Mas como os tempos mudam, houve também mudanças positivas, com a chegada dos seminários, faculdades teológicas, a publicação abundante de livros, as redes virtuais etc. Até mesmo a CPAD tornou-se a maior editora da América Latina, publicando também diversas obras de autores reformados, sem que eu tivesse qualquer influência nisso durante a minha gestão como Diretor de Publicações. Elas começaram a ser publicadas em fase posterior.

No vácuo que acabei de mencionar, de um lado, e a explosão das fronteiras da educação teológica formal, de outro, além da inexistência de obras em português tratando do arminianismo de forma consistente, nossos jovens começaram a ter contato com a literatura e a teologia reformadas, até mesmo através de professores de origem reformada em cátedras de nossos seminários e faculdades, criando assim todas as condições para o surgimento desse interesse. Não acredito que tenha sido algo orquestrado e desconheço que haja pessoas fazendo proselitismo, querendo “calvinizar” as Assembleias de Deus. Isso é forçar a barra. Mas aonde chego, encontro jovens e pessoas já maduras na idade, com boa formação, que acreditam na doutrina reformada, sem qualquer vestígio de proselitismo, e não criam nenhum problema nas igrejas onde professam a fé. Não acho que isso tenha sido um mal. Ao contrário, isso trouxe o nosso meio de forma mais efetiva o “espírito bereano” de cotejar a Escritura em busca de seu respaldo (ou não) para o que está sendo ensinado. Vejo também de modo muito positivo a aproximação entre a fé reformada e a fé pentecostal, partilhando a mesma trincheira em defesa das verdades do Evangelho.

TP: É visível uma reação arminiana entre os pentecostais. Ainda pequena, é bem verdade, mas com um potencial fantástico. Todavia, seria uma reação tardia?


GC: A rigor, a reação arminiana entre os pentecostais é tímida, na defensiva, a não em discussões de grupos no Facebook, onde mais predomina a carnalidade do que um debate sério e consistente entre as duas correntes. O próprio pastor Silas Daniel, na entrevista concedida ao blog, afirmou que sua manifestação era particular, embora contasse com a aprovação da direção superior da CPAD por tratar-se de uma revista institucional destinada aos obreiros da igreja. Mas é bom que essa reação aconteça e posso analisá-la sob duas perspectivas:

1.           Se o arminianismo for ensinado tal como Armínio o formulou ou com as características wesleyanas, isso permitirá que muitos pentecostais percebam o quão diferente é do semipelagianismo que ainda predomina em muitos púlpitos assembleianos. Quem fez essa excelente observação foi o irmão Clóvis Gonçalves, a quem considero o  melhor expoente da fé reformada no meio pentecostal. Ao descobrir isso, verão também que o calvinismo não é o tal “monstro” que alguns tentam criar em suas cabeças.

2.           A outra perspectiva é que se o intuito for cercear a liberdade cristã  ou promover uma “caça às bruxas”, a reação já nasce com espírito carnal e de forma tardia, pois as Assembleias de Deus, atualmente, enfrentam sérios problemas institucionais, de gravíssima monta, diga-se de passagem, além de estarem  extremamente fragmentadas, que lançar um debate com esse propósito  acabará por dilacerar o pouco de unidade que resta. Goste-se ou não, o número de reformados, hoje, é muito grande no meio assembleiano. Isto sem qualquer proselitismo.

TP: Alguns pastores assembleianos reagem ao Calvinismo tratando-o como "vento de doutrina", "novidade perniciosa", "heresia" e  outros adjetivos não amigáveis. Como você responde aos seus colegas de ministério?

GC: Radicais há de ambos os lados. Sob o guarda-chuva do calvinismo abrigam-se diferentes tendências. O mesmo pode-se dizer do arminianismo. Até o Teísmo Aberto encontra guarida sob o sistema, como deixa explícito Roger Olson em seu livro: Teologia Arminiana – Mitos e Realidades, e teve como um de seus principais expoentes Clark Pinnock, um dos autores da obra: “Predestinação e Livre-Arbítrio”, ao lado de Norman Geisler. Mas neste ponto, prefiro ficar com a posição que o pastor Silas Daniel expressou em sua entrevista, ao afirmar que o calvinismo honra a Deus tanto quanto o arminanismo – ele enumera as razões – e que em suas leituras de obras reformadas sempre apreciou a “paixão por Deus, pela pureza, pela santidade de Deus, pelo viver para a glória de Deus” de seus autores.

Só me soa contraditório, depois dessa afirmação extremamente conciliadora, propor que os calvinistas pentecostais deixem a Assembleia de Deus e busquem outra denominação, onde a fé reformada seja o cerne da doutrina. Aí acabou por jogar fora a água da bacia com o bebê e tudo. De minha parte, sempre cri que reformados e arminianos podem dar-se as mãos como cristãos, sem contradição alguma, sem ataques e agressões mútuas, que nada engrandecem a Deus e edificam o Reino. A título de ilustração, ontem mesmo vi no Facebook um arminiano chamando a fé reformada de demoníaca, enquanto um calvinista usava o mesmo epíteto para o Arminianismo. Há necessidade disso? É cristão agir dessa forma? Se ambas honram a Deus – repito – por que se digladiar tanto ao invés de lutarmos em defesa do evangelho. Fico com um pé atrás se essa reação “particular” não estaria sendo movida por segundas intenções, uma espécie de cortina de fumaça para encobrir graves problemas que a instituição assembleiana enfrenta.

TP: Como calvinista convicto você sempre mantém uma postura conciliatória.  Sendo assim, qual ponto positivo você poderia apontar no  Arminianismo?

GC: Se estamos falando de arminianismo clássico ou wesleyano, encontro os mesmos pontos positivos que o pastor Silas Daniel encontrou na fé reformada. Mas em se tratando da “mecânica da salvação, prefiro ficar com a essência do aforismo peculiar ao veterano pastor José Isaías Neto, vinculado ao Ministério do Belenzinho, em Sorocaba, SP, que do alto dos seus 80 anos, grande parte deles vivido ao lado de Cícero Canuto de Lima, assim afirma: “Não sou calvinista , nem preciso de Calvino para ir ao céu, mas em questão da salvação Calvino estava 100 % certo”.

TP: E  a Assembleia de Deus é tradicionalmente arminiana, embora lhe falte  a formalização de uma confessionalidade. É possível ser calvinista e assembleiano? Não seria uma distorção de identidade?

GC: Já expressei o meu ponto de vista sobre a questão logo na primeira pergunta. Embora tradicionalmente arminiana, o que sempre predominou nos púlpitos da AD, regra geral, foi o semipelagianismo. Dito isto, vamos a algumas indagações: todos os arminianos são pentecostais? São todos cessacionistas? Ora, assim como há arminianos cessacionistas e arminianos pentecostais, não vejo dificuldade alguma em que haja calvinistas pentecostais, assim como há calvinistas cessacionistas. Em relação à identidade assembleiana, cabe refletir: qual? A do reteté, com suas expressões cultuais estranhas ao genuíno pentecostalismo, como descrito em 1 Coríntios 12, 13 e 14? A do neopentecostalismo, que grassa em nosso meio a olhos vistos, com a introdução de ritos judaicos na liturgia? A do liberalismo, que já encontra eco em diversas cátedras de alguns dos nossos seminários? A do engessamento institucional e político-religioso, que tem devastado a unidade da igreja em nosso país? Ora, se o calvinismo honra a Deus, como bem expressou o pastor Silas Daniel, não vejo porque a presença de reformados na Assembleia de Deus, que não vivem por aí a fazer proselitismo, possa ferir a identidade da denominação.


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